RIO DE JANEIRO - As crianças do passado tinham medo de Drácula, Frankenstein, a
Múmia e o Lobisomem. Mas, com o tempo, aquele clima de Europa central e museu
egípcio, com cenários sombrios, névoa rasteira, cavalos desconfiados, homens
com bandagens sujas e mulheres com olheiras ficou tão familiar que eles
deixaram de assustar. Para minha geração, então, tais monstros já chegaram
quase como membros da família. Como ter medo de um tio velho e caduco?
O motivo desse destemor é que sabíamos
muito sobre eles --suas fraquezas, inclusive. Drácula era alérgico a alho;
Frankenstein só queria uma noiva; a Múmia era um príncipe apaixonado; e, exceto
na Lua cheia, o Lobisomem era um bom sujeito. O grande terror de nosso tempo
era o inexplicável, como o de "Os Pássaros" (1963), ou o
imprevisível, como o holocausto atômico de "Dr. Fantástico" (1964). O
medo vinha do desconhecido, do que não entendíamos.
O Perverso Polimorfo, por exemplo. Pelo
que os adultos diziam, era um tarado que nos apareceria de repente se
ficássemos muito tempo dentro do banheiro. Outro bicharoco, especialista em
perseguir meninos que matavam aula para jogar pelada no terreno baldio, era o
Manguito Rotador. E que não nos enganássemos com esse nome quase cômico --ele
podia ser cruel.
Outros monstros de que os mais velhos
nos falavam eram a Espiroqueta Pálida --uma espécie de bactéria que, se a
deixássemos entrar, faria misérias dentro de nós-- e a Espondilite
Anquilosante, que nos impediria de virar a cabeça para apreciar melhor uma
menina com quem cruzássemos na rua.
Mas nunca nos avisaram sobre os
Embargos Infringentes. Estes, sim, são de arrepiar. É difícil descrevê-los --parecem os extintos pterodáctilos,
só que com uma consistência de pizza. Há meses sobrevoam Brasília.
FOLHA DE SÃO PAULO
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