Legalizar as drogas, desmilitarizar a PM e humanizar os presídios antes
de reduzir a idade penal são alguns sonhos do secretário de Segurança Pública
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Foto: Ernesto Carriço / Agência O
Dia
Rio - Legalizar as drogas,
desmilitarizar a PM e humanizar os presídios antes de reduzir a idade penal.
São alguns sonhos do homem que comanda a Segurança
Pública do Rio há 93 meses e se mostra cético em relação ao que ele próprio
idealiza para o Rio. O carioca, segundo ele, precisa amadurecer e exigir ações
de outras instâncias do poder público, além da polícia, contra as ilegalidades.
Ao fim da entrevista, ele contou que, finalmente, está transferindo o título
eleitoral de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, para o Rio. “É hora de
participar da vida política do lugar onde vivo”, afirmou, mesmo negando planos
de se candidatar.
O DIA: Esta semana,
a polícia prendeu milicianos que atuam no Complexo do Alemão. Como está o
combate à milícia no Rio?
BELTRAME: Milícia é um
problema difícil porque ela atua onde há carência de serviços públicos. Não vai
ser só a polícia que vai resolver. É preciso ter serviço de transporte bom e
barato, uma boa e barata rede de distribuição de gás, preços populares para TV
a cabo e internet. Enquanto o estado não oferecer
condições, haverá espaço para milícia. A polícia tem que estar presente, mas os
demais órgãos e serviços também. Mas a sociedade só cobra da polícia.
Essa ausência de
serviços públicos acontece em todas as metrópoles. Por que, no Rio, a situação
tão violenta, com gente armada de fuzil e granada?
Porque as facções começaram a tomar
conta de territórios e se armar. Levei a Brasília proposta para aumentar a pena
de quem porta fuzil. Deputados me deram parabéns, mas pediam desculpas porque
votarão para mudar o Estatuto do Desarmamento e relaxar as penas para quem
porta arma de fogo. Estamos substituindo os fuzis, dando cursos para policiais
não trocarem tiros, querendo racionalizar as armas na
polícia, e o Congresso quer dar armas para a sociedade. Há razoabilidade nisso?
O uso da arma se banalizou. O criminoso tem um apego tão grande que põe nela o
distintivo do time, nome da mulher, dos filhos, escreve até “Jesus salva”. Ele
estiliza a arma. É um guerreiromarginal, manda niquelar, põe dourada, prateada.
O que tem sido
feito efetivamente para combater a corrupção policial?
Basta olhar a quantidade de coronéis
e majores presos. Havia um tabu de que estas pessoasnão seriam presas. Foram mais de 2 mil
nestes últimos tempos. Não tem muita solução a não ser a Corregedoria. Por mais
que tenha instrução e ética na academia, o que vale é o que você aprendeu em
casa. Mas até as pessoas que tiveram uma educação mais sofisticada não param de
roubar. Infelizmente, é uma questão cultural.
Os cortes no
orçamento vão prejudicar a expansão das UPPs? O senhor vai ampliar o programa,
ou fechou para balanço?
O que prometi, 40 UPPs, vou até
passar. Hoje tem 39. Com três ou quatro na Maré, vamos passar, mas planejamos
mais. Hoje estaríamos prontos para ocupar o Chapadão. Fizemos o trabalho,
pegamos as lideranças do tráfico, mas não dá para fazer porque não tem gente
formada ainda. Tem de ampliar viaturas, rádios, uniforme, armamento.
Com tantas
dificuldades, quantas vezes o senhor pensou em sair do cargo? Isso não cansa?
Cansado, você fica, mas eu tenho
confiança no que a gente faz, na equipe, nas polícias. Elas têm seus problemas,
mas eu confio. Tem muita gente boa aí. Ainda tem aí uns quatro projetos grandes
ou cinco para apresentar. Não gosto de falar, gosto de apresentar. Duvido que
alguém tenha investido mais em capacitação policial do que nós. O que me deixa
frustrado são alguns comportamentos. A sociedade poderia se engajar mais, até
porque tem culpa. Foi tolerante demais. Não tem outra saída para o Rio se não
for tornar um pouco mais formal o que é informal. Senão, não tem jeito. Na
minha humilde opinião, a sociedade escolheu mal alguns administradores
públicos. Segurança não é só policia, isso é míope. É cuidar de fronteira, tem
legisladores, Ministério Público, Justiça, sistema prisional.
O senhor sempre
disse que não tinha a pretensão de acabar com o tráfico, mas, sim, com a
presença das armas nas favelas e os tiroteios. Hoje, já diz que não tem como.
Mudou?
É uma leviandade achar que vai acabar
com isso. Ainda vamos viver anos com essa lógica. O que vai acabar com isso,
daqui a algum tempo, é a presença da polícia ali, com efetivo e organização
para manter este processo. E que outros serviços cheguem às comunidades para
que as pessoas possam ter outras perspectivas de vida.
Uma das críticas
feitas às UPPs é em relação à velocidade com que foram implantadas, que teriam
fins eleitorais, sem planejamento e formação adequada dos policiais.
Isso é ofensivo para mim. Cometemos
algumas falhas, mas tudo foi planejado e estudado. Não fizemos por fazer.
Quanto à formação, o curso era o mesmo. De sete meses, agora de dez meses. Mas
com certeza os profissionais que estão se formando agora tiveram uma formação
melhor porque fomos aprendendo com as demandas que surgiram. Na época da
implantação, era preciso fazer rapidamente porque havia essa necessidade no Rio
de Janeiro.
O STF está votando
em Brasília a Lei de Drogas. Qual é a sua expectativa a respeito do assunto?
Acho que o Brasil vai descriminalizar
o uso e eu sou muito a favor, a partir do que vi em Portugal. Eles tiraram a
droga da polícia, virou problema da área de Saúde. Com isso você evita que a
polícia tenha que gastar energia prendendo usuários. Hoje, se não prender,
dizem que o policial está no ‘arrego’ (recebendo propina). É igual a jogo do
bicho.
O senhor é a favor
de fazer como no Uruguai e legalizar a produção, a venda e o consumo?
Acho ótimo que isso seja feito. Mas
quem é que vai fiscalizar? Precisamos regulamentar. Mas sou favorável desde que
tenha mecanismos de controle e não acabe tudo na mão da polícia.
E o que o senhor
pensa sobre a desmilitarização da PM, um assunto que entrou na pauta a partir
dos protestos de 2013?
Sou favorável, mas estamos muito
longe. São muito poucos países no mundo que trabalham como a gente trabalha,
mas isso tem que partir da polícia.
É possível combater
corrupção policial sem melhorar a remuneração?
É um requisito importantíssimo, mas
não necessariamente vai resolver. Durante anos, eu fui agente da Polícia
Federal, ganhava menos que um trocador de ônibus, comia em restaurante
universitário e nunca tomei nada de ninguém. Acho que é questão de formação.
Mas sem dúvida que o salário é importante pela valorização do policial e para
dar mais legitimidade para a sociedade cobrar um serviço de qualidade.
Na polêmica da
blitz em ônibus vindos do subúrbio, a polícia foi acusada de preconceito contra
negros e pobres. Como o senhor entendeu a reação?
O motorista faz sinal para a viatura
e encosta o ônibus. Se a polícia não parar, prevarica e sai no jornal que a
polícia não faz nada. Os passageiros confirmaram a baderna, e que muitos não
pagaram passagem. A liberdade de ir e vir exige um mínimo de dever. Em momento
nenhum eu disse que eles iriam assaltar. O que está em questão é a
vulnerabilidade. Um jovem que sai de Nova Iguaçu com 13 anos, pega um ônibus
para Ipanema, sem dinheiro para nada, não está em situação vulnerável? Como vai
voltar para casa, comer ou beber algo? A polícia não tem nada a ver com isso.
Se o Conselho Tutelar e o Ministério Público estivessem ali, a polícia não
estaria. Mas já que a sociedade decidiu que a polícia não tem que estar, não
estaremos mais. Mas vão ter que pensar duas vezes na hora de chamar a polícia.
E qual a sua
posição em relação à redução da maioridade penal?
O que tem que ser discutido é se a
pessoa hoje, com 16 ou 40 anos, sai recuperada da instituição. Sai? Não. Mas
não entraram e não querem entrar na discussão. E o problema cai onde? Na
polícia. A questão foi reduzida a: “18 ou 16?”. Não dá para ser assim. Se é 18
ou 16, eu fico com 16, mas não é a solução.
Públicos ou
privados?
É hora de experimentar os privados.
Eu poderia escapar desta pergunta porque não é a minha área, mas do jeito que
está o sistema prisional não dá. O jovem que matou o médico na Lagoa tinha 16
passagens pela polícia. O que fizeram com ele as outras 15 vezes? Recuperaram?
Levaram para casa? Procuraram os pais? Deram alguma perspectiva de emprego?
Não. Precisamos ter uma visão sobre violência urbana muito larga. As pessoas só
veem as consequências e pedem polícia, polícia e polícia. Temos que ir às
causas da violência. Porque não vai ter polícia em toda esquina e nem que dê
conta das causas.
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