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sábado, maio 01, 2010

MAIS DE DUZENTOS ANOS!!!

MAIS DE DOIS SÉCULOS DE TRABALHO
A falta de gestão ou continuidade da aplicação de uma política de segurança pública leva os profissionais a uma total falta de parâmetros a seguir durante sua vida profissional.
Como exemplo a esta afirmativa usaremos a Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro no período de 1980 a 1994.
A Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, em especial a que ocupa atualmente o município do Rio de Janeiro, possui sua história diretamente ligada aos grandes momentos políticos, sociais e econômicos vividos pelo Brasil.
Com a família real portuguesa em terras tupiniquins, é criada por D. João VI a Guarda Real de Polícia da Corte do Rio de Janeiro, força policial militar e militarizada, dividida em graus hierárquicos com pagamentos de soldos, conforme decreto de criação do então príncipe regente D. João VI, datado de 13 de maio de 1809, um sábado, aniversário do príncipe.
Este importante marco para a história conservadora e factual nos serve no mínimo como ponto de partida para melhor entendermos a formação da Polícia, que já em seus primórdios foi criada pelos gregos, em 2500 A.C, com o objetivo da proteção das elites econômicas e política da sociedade, fato este que não foi alterado nem pelos ingleses, como alguns sérios estudiosos do assunto acreditam.
A questão que levantamos é o uso da força policial militar carioca por um policial, invariavelmente originário das classes mais humildes da sociedade.
Com uma rápida visita ao império e à primeira república, perceberemos uma tropa surpreendentemente politizada e participativa, sendo a vanguarda de movimentos rebeldes nos governos de D Pedro I, e de seu filho, chegando à proclamação da república mais participativa do que nunca, integrando com seus efetivos movimentos historicamente decisivos na história do país, como a Coluna Prestes e a Revolução Constitucionalista de São Paulo.
O governo, tendo Getúlio Vargas como presidente, foi o grande encarregado de iniciar o processo para anular esta politização da tropa, principalmente após 1932, com a revolução paulista, que possuía em seu exército profissional revoltoso constituído por quinze mil soldados profissionais, sendo treze mil integrantes da Força Pública, definição da Policia Militar paulista à época. Um movimento que Getúlio acreditava debelar em dias, perdurou por longos três meses.
Na capital nacional, era oferecido pelo cabo Henrique Juvêncio Pereira Dias, da polícia militar do DF, uma festa de aniversário para o Chefe do Partido Integralista Plínio Salgado; em contrapartida, o movimento comunista se caracterizava pela enorme quantidade de policiais envolvidos em movimentos sociais: um terço dos policiais foram excluídos por “conversar” ou possuírem revistas e panfletos “subversivos”.
Getúlio Vargas trabalha incansavelmente em seu objetivo de domínio total das forças policiais militares. Cria em 1933 a Escola de Recrutas, hoje Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças 31 de Voluntários, e coloca como supervisor das instruções um Oficial do Exército com sobrenome Dornelas Vargas.
Em 1936, cria Getulio a IGPM, Inspetoria Geral de Policias Militar, órgão do Exército responsável pelo total controle da contratação de efetivo e compra de equipamentos bélicos e estoque das policias militares estaduais, fato que perdura até os dias atuais.
Este processo teve desdobramento durante todo o século XX, e hoje suas contradições afloram, provocando uma onda de movimentos reivindicatórios que são duramente combatidos por um governo eleito democraticamente, tanto na esfera nacional quanto na esfera estadual.
A “Constituição Cidadã” de 1988 tem o claro objetivo de iniciar um processo de democratização no Brasil, mas ignorou totalmente as Policias Militares, que ainda vivem sob a égide de regulamentos construídos em plena ditadura militar.
A Polícia Militar não recebeu este novo ordenamento jurídico, continua com seus velhos regulamentos, com setores lutando a fim de criar uma nova forma de gestão e aplicação do desempenho da função policial militar.
O policial, corretamente, deve efetuar uma prisão quando um cidadão comete ou está prestes a cometer um crime, a conhecida prisão em flagrante, mas continua a ser preso sem ser julgado, como prevê o artigo 11 do Regulamento Disciplinar vigente.
O mais esquizofrênico de tudo até agora abordado é que, a cada quatro anos, a partir de 1982, a Polícia Militar Estadual vive uma nova ordem institucional. Cada governante acredita saber a formula mágica para solucionar o problema da violência urbana, ignorando o trabalho de seu antecessor, iniciando uma política de segurança pública do zero, não raro totalmente inversa a praticada anteriormente.
Em 1982, o Governador Leonel de Moura Brizola encontra sérias dificuldades em tentar implantar uma política em que o cidadão seja o objeto de atuação, mesmo nomeando o ímpar Cel. Carlos Magno Nazareth Cerqueira para comandar a então Secretaria de Polícia Militar.
Com as eleições livres e diretas para o governo do Estado do Rio de Janeiro, passamos a viver uma nova realidade, e a solução para o problema da violência é anunciada por cada governador.
Infelizmente, independente da concordância ou não dos meios aplicados, o mais preocupante é a falta de uma continuidade, isto é, a inexistência de uma política de Estado para segurança pública.
O nosso trabalho tem por objetivo demonstrar que a tropa da Polícia Militar do Distrito Federal do Brasil, até os anos trinta do século XX, era composta por um considerável número de Policiais Militares que exerciam sua cidadania extramuros da Corporação.
Procuraremos demonstrar, ainda, que esta mesma Corporação sofreu uma dura repressão por parte do Governo Federal ao final deste período, com o nítido objetivo de garantir o seu controle e posterior uso da tropa, a fim de consolidar o regime ditatorial, que tinha seu líder na pessoa de Getúlio Vargas, usando-a na repressão a qualquer movimento oposicionista partidário ou social.
Decidimos iniciar o nosso trabalho com uma rápida passagem pela origem desta que é a mais antiga Corporação Militar do Brasil, afim de melhor contextualizar nosso trabalho.
Mesmo com a restrição de um trabalho monográfico (40 páginas) demonstraremos que não existe uma política de Estado para a área de Segurança Pública. Este o nosso objetivo!
CAPÍTULO – I
UMA RÁPIDA VISITA À ORIGEM DA POLÍCIA MILITAR
O Estado português, desde o início do século XVI, quando da ocupação das terras que futuramente seriam conhecidas como Brasil, não se preocupava em aqui constituir uma “força policial”.
Já em Portugal, uma instituição “policial” teve início com D. Fernando, no final do século XIV, 1385, denominada Quadrilheiros.
Esta organização estava prevista no Livro I, com o Título LIV, das Ordenações Manuelinas e destacamos a seguir o seu primeiro parágrafo:
Dos Quadrilheiros:
“Em todas as Cidades, e llas, e Lugares, e feus Termos ávera Quadrilheiros, para que milhor fé aprendam os malfeitores, e fé evitem os malefícios.”

Esta denominação, Quadrilheiros, foi inspirada na Bíblia. D. Fernando retirou do Livro dos Atos dos Apóstolos, em seu capítulo dezesseis, versículo trinta e cinco.
A Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro aponta como data oficial de fundação, o dia 13 de maio de 1809, com a criação da Divisão Militar da Guarda Real de Polícia. Acreditamos que não seria nenhum absurdo se a Corporação se apropriasse da criação dos Quadrilheiros, a fim de ser o seu nascedouro, já que, no Brasil, teve sua criação datada do início do século XVII, por iniciativa do Ouvidor Geral Luiz Nogueira Brito.
A seleção dos componentes destas quadrilhas era realizada por indicação de juízes, que de posse da relação nominal de todos os homens livres, escolhiam um para cada grupo de vinte moradores, a fim de compor o Corpo de Quadrilheiros.
Com esta ordenação efetivada, o Quadrilheiro era obrigado a executar tal serviço por um período de três anos, somente sendo possível à dispensa de suas obrigações por motivo de doença grave.

O armamento usado seria uma lança de dezoito palmos, na cor verde, ou no mínimo uma meia-lança em boas condições.
A rotina diária de trabalho se iniciava ao anoitecer, por volta das dezoito horas, quando deveriam os Quadrilheiros ir à residência do Juiz, a fim de receberem as orientações sobre o serviço que a partir daí se iniciava, tendo como missão cumprir mandados de prisão e reprimir os bêbados, capoeiristas e prostitutas.
Esta forma de policiamento, e respectiva seleção de pessoal, perduraram até o início do século XIX, em nosso atual município do Rio de Janeiro, e até 1835, no antigo Estado do Rio de Janeiro.
DIVISÃO MILITAR DA GUARDA REAL
DA POLÍCIA DA CORTE NO RIO DE JANEIRO
Em 27 de novembro de 1807, a família imperial, acompanhada por milhares de pessoas, abandona Portugal, atravessando em 36 embarcações o Oceano Atlântico, em direção ao Brasil, aportando primeiro em Salvador, e em 07 de março de 1808 chegando ao Rio de Janeiro.
Para um melhor entendimento do que era a Cidade do Rio de Janeiro, vejamos o que diz Luiz Gonçalves dos Santos, o Padre Perereca, em seu livro de memórias:

“A população desta cidade nos princípios do ano de 1808 chegaria a 60.000 almas, repartidas pelas quatro freguesias: Sé, Candelária, São José e Santa Rita; porém, mais da metade deste número se compreende na escravatura...”

Com a chegada de aproximadamente quinze mil pessoas de além-mar, o problema da ocupação desta modesta cidade gerou tensões sociais, envolvendo o Corpo Militar de Guarnição da Cidade, que era minúsculo. Já os Quadrilheiros não mais atendiam às necessidades da Coroa, até mesmo porque seu modo de atuação tinha seu início a partir das 1800 horas.
Com esta nova realidade, o Príncipe Regente D. João, atendendo à proposta do Desembargador Paulo Fernandes Vianna, decretava em 13 de maio de 1809, sábado, aniversário do Príncipe Regente, a criação da Divisão Militar da Guarda Real de Polícia da Corte, formada por 218 homens, boa parte oriundos dos Quadrilheiros.
1821 - Reprodução do patrulhamento da GUARDA REAL
DE POLÍCIA (Infantaria – uniforme criado já no Brasil)

"SER OU NÃO SER?"

A formação militar e militarizada levou à dupla função desde muito tempo. Na própria Guerra do Paraguai, o Brasil teve, nos seus cinqüenta e um Corpos de Voluntários, o forte da tropa de combate composta por “Policiais Militares” das Províncias.
Esta triste página da história de nosso continente, em que irmãos sul-americanos, em defesa de interesses do velho continente, travaram lutas sangrentas, em que a vitória não coube a nenhuma nação abaixo da linha do Equador, já foi estudada por diversos historiadores. Nós gostaríamos apenas de fazer o registro da dupla função realizada pela polícia, em que outras funções vinham em detrimento da função policial.

COLUNA PRESTES
O movimento revolucionário armado na história do Brasil que teve maior duração, percorrendo literalmente de norte a sul o país, foi conhecido como A Coluna Prestes na segunda década do século XX.
Este importante movimento revolucionário teve a participação direta das forças policiais de todo país, criando verdadeiras “lendas” quando da atuação, a mais famosa pertencendo ao grupo de policiais militares chefiados pelo Ten. João Cabanas, da Força Pública de São Paulo, denominação à época da Policia Militar do Estado de São Paulo.
Para melhor entendermos o que isto significa, nos socorremos da historiadora Anita Leocádia Prestes, em um de seus artigos, abaixo citado:

“A COLUNA PRESTES - UMA EPOPÉIA BRASILEIRA
João Cabanas
João Cabanas nasceu em São Paulo, em 1895.
Militar, cursou a Escola de Oficiais da Força Pública paulista, tendo também se bacharelado pela Faculdade de Direito de São Paulo. Em 1924, teve participação ativa no levante tenentista deflagrado em São Paulo contra o governo de Artur Bernardes. A capital paulista esteve, então, por três semanas, sob o controle dos rebeldes. Após a retirada dos revolucionários da cidade, prolongou a luta pelo interior do estado comandando a Coluna da Morte. Nessa época, seus feitos militares estimulavam o aparecimento de muitas lendas sobre a sua pessoa, a quem se atribuíam poderes sobre-humanos em combates e fugas espetaculares. Por conta disso, o governo colocou sua cabeça a prêmio por quinhentos contos. Exilou-se, então, no Uruguai, não integrando-se à Coluna Prestes, exército guerrilheiro nascido da unificação das forças rebeldes de São Paulo com as que haviam sublevado guarnições do Exército no interior gaúcho, também em 1924, sob a liderança de Luís Carlos Prestes. ”
SÃO PAULO 1932

Poderíamos debater os motivos que levaram o Estado de São Paulo a pegar em armas e enfrentar o governo central. Contudo, o que aqui nos interessa é a participação da tropa da Força Pública neste movimento.
A Força Pública foi, e afirmamos sem medo de errar, a responsável por fazer perdurar por longos três meses a luta armada. Com a perda de vidas de mais de mil brasileiros integrantes do exército paulista, os números de baixa do Exército Nacional nunca foram divulgados.
Para melhor compreendermos o que foi a participação da Força Pública neste movimento, calcula-se que o exército paulista era composto de aproximadamente trinta mil voluntários civis e quinze mil soldados profissionais, dos quais treze mil eram Policiais Militares.
Este fato foi responsável pelo desencadeamento da forte repressão que as forças policiais sofreram durante todos estes anos. Getúlio Vargas iniciou um processo de despolitização da tropa, formando profissionais tolhidos de exercerem suas cidadanias, por exemplo, de se filiarem a um partido político, não permitindo que convocassem reuniões onde se discutia questões importantes a qualquer classe de trabalhadores, como a questão salarial. Esta repressão sempre foi aplicada de forma radical, arbitrária e perversa, em pleno século XXI continua a ecoar.
GETÚLIO VARGAS
Getúlio Vargas percebeu que, até o movimento Constitucionalista em São Paulo, no ano de 1932, as Polícias Militares Estaduais não sofriam qualquer controle por parte do Governo Federal. Este não tinha idéia da quantidade de material bélico ou mesmo de efetivo das corporações militares estaduais.
Para os planos de continuidade no poder de Getúlio, era assustador essa independência. Assim, medidas de controle foram criadas, e como solução para esta situação, a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 16 de Julho de 1934, passa a garantir à União o direito de ter competência privativa para legislar sobre as organizações Policiais Militares Estaduais, competência que era dos Estados, e que foi praticamente eliminada, passando a ter uma corporação militar paga pelos seus cofres, mas com total controle do governo central.
O controle era total, sobre as condições gerais da sua utilização em caso de mobilização ou de guerra, passando as Polícias Militares à condição de força reserva do Exército, levando definitivamente as Polícias Militares Estaduais a executar como prioridade as funções de interesses de controle do Estado pelo Governo Federal.
Mais tarde, após o movimento revolucionário patrocinado pelo Partido Comunista em 1935, veio a Lei Federal nº 192, de 17 de janeiro de 1936, que possuía o título Reorganização das Polícias Militares, e em seu artigo 6º, possibilitavam os Comandos das Polícias Militares serem exercidos por Oficiais do Exército. Medida que já consolidava a formação do soldado-pofissional em seus quadros, isto é, a formação de uma categoria que abria mão da cidadania, com perfil técnico ocupando a questão técnica ocupe a totalidade de sua profissão.
Este ponto inicial, em nosso entendimento, explica o porquê de Getúlio Vargas, em 1933, ter à frente da Chefia de Polícia a figura autoritária do Capitão de Exército Filinto Muller.
Com a criação da Escola de Recrutas, em 1933, inicia Getúlio Vargas o controle sobre a Polícia Militar no efetivo já existente, pois ali fariam os Cursos de Aperfeiçoamento, e o controle dos novos policiais nos cursos de formação, isto é, no nascedouro do profissional, formando uma nova geração de policiais cada vez mais reprimidos, em que o soldado-cidadão perdia rapidamente espaço para o soldado-profissional.

"EU NÃO GOSTO DE POLITICA!"
Em janeiro de 1936, Getúlio Vargas aprofunda ainda mais o controle, agindo de forma eficaz no Comando e na formação dos novos policiais, que deveriam ser cada vez menos profissionais de segurança pública, e cada vez mais o braço que teria como função a repressão de qualquer manifestação organizada, ou não, de oposição ao seu governo.
Vejamos a Lei nº 192 de 17 de janeiro de 1936, intitulada Reorganização das Polícias Militares. Respaldando nossas afirmações, transcrevemos alguns artigos:

“Art. 6 Os commandos das Policias Militares serão attribuidos, em commissão, a officiaes superiores e capitães do serviço activo do Exercito, ou a officiaes superiores das próprias corporações, uns e outros possuidores do Curso da Escola de Armas do Exercito ou da própria Corporação.”

Obs: Ate 1982, em 175 anos de existência, apenas em 13 anos coube a um Oficial da Polícia Militar o Comando da Corporação.

“Art. 10. As Policias Militares adotaram o uniforme de campanha que for approvado pelo Ministereo da Guerra.”
“Art. 22 Serão adoptados nas Policias Militares, no em que lhes forem applicaveis, os regulamentos de instrução militar, vigentes no Exercito,...”.
“Art. 26 A instrucção dos quadros e da tropa, que obedecerá à orientação dos Estado Maior do Exercito, será obrigatoriamente dirigida por oficiais do Exercito ativa, que tenham, pelo menos o curso da Escola de Armas e sejam postos pelo Ministro da Guerra à disposição do Estado Maior do Exercito.”
Boletim Interno da Escola de Recrutas nº 30 de 30 de janeiro de 1936 – fl. 53,54 e 55.

O art. 26 define categoricamente que a instrução está a cargo do Estado Maior do Exército Brasileiro. A direção das instruções era supervisionada por oficiais do Exército.
Não deixa dúvidas este artigo vinte e seis, de que o objetivo era a formação de um profissional das Forças Armadas, e que a formação policial não estava nos planos do governo federal. Não se preparava profissionais para a segurança pública convencional, o objetivo era a construção de uma força capaz de defender o Estado totalitário em vigor.
Esta penosa realidade favorecia ao adestramento de uma tropa pouco questionadora, e a falta de instrução especializada favorecia a formação de um "fiel escudeiro" do regime vigente.
A exclusão era uma forma de se retirar do convívio da Corporação qualquer tipo de questionamento da condução política do país. No final do semestre de 1936, a Escola de Recrutas recebeu cento e oitenta alunos, sendo que vinte e cinco foram excluídos por motivos políticos antes de completarem o curso de formação de soldado.

TUDO FAZ PARTE DA FORMAÇÃO!
Getúlio Vargas acompanhava a Escola de Recrutas tão de perto que o 1º Ten. do Exército Brasileiro, SERHAPHIM DORNELLES VARGAS, que já era Ajudante de Ordem do Comando Geral da Polícia Militar do Distrito Federal, isto é, aquele que fica responsável pela rotina de trabalho e agenda do Comandante, tendo total controle de tudo que o Comando da Corporação realiza, sendo sem dúvidas uma fonte segura dos rumos seguidos por toda Corporação, é nomeado responsável pelas instruções da Escola de Recrutas de acordo com Boletim Interno nº 138 de 03 de outubro de 1936.
A nomeação do Tenente Serhaphim Dornelles Vargas causou um constrangimento, já que, a Direção da Escola era exercida por um Capitão Policial Militar, transformando de forma definitiva o Comandante em um fantoche oficial, além de deixar claro que os responsáveis pela instrução dos futuros profissionais de segurança pública estavam sob a égide da instrução aplicada ao Exército nacional.
Como solução, “a emenda ficou pior que o soneto”: em publicação posterior se alterou a nomeação do o 1º Ten. do Exército Brasileiro SERHAPHIM DORNELLES VARGAS para instrutor, “apenas”.
O Boletim Interno da Escola de Recrutas nº 171, datado de 12 de novembro, passa a proibir oficiais e praças de “... participação em actividades integralistas...”, o que levou à prisão do cabo Nilo Carcilho de Faria, porque, quando de folga, havia levantado o braço direito, prática integralista, durante uma solenidade pública em homenagem ao dia da Bandeira.
Em 1936, a Escola de Recrutas excluiu de seus quadros trinta e cinco por cento de seus alunos por motivos de participação política. Como exemplo citaremos a exclusão do soldado José Moura, por “... professar, evidentemente, o credo comunista, não convindo, portanto, à sua permanência nas fileiras da Corporação.” Além da prisão dos cabos Mathias José Rodrigues de Freitas e José Soares de Oliveira, pelo fato de juntos “... se entregado a palestras sobre assuntos políticos...”, tudo retirado do Boletim Interno nº 65 de 16 de julho 1936.
ESTE É UM CURRÍCULO POLICIAL MILITAR?
Em 18 de dezembro de 1935, com o currículo publicado no Boletim Interno nº 353 ficava a instrução dos novos policial condicionada dentro deste currículo, padronizando a formação do profissional de “segurança pública”. O currículo em tela trata da formação de um soldado-profissional das Forças Armadas.
A primeira parte das três que compunham o currículo abordava a “educação moral, em que destacamos o segundo item, a seguir:

“Deveres da Forças Policiais para com a Nação; o soldado de polícia na dupla missão das Forças Policiais como mantenedoras da ordem e segurança publica e como Forças Auxiliares do Exercito.”

A formação dupla era prevista oficialmente, em seus estudos, o Policial Militar tinha como instrução predominante a formação do militar em detrimento a formação policial, como o currículo demonstra.
O segundo item era denominado "Instrução Técnica", e chamou-nos a atenção itens de instrução como "Instrução especial de municiador", "Conhecimento das granadas de mão" e "Utilização da baioneta".
O que surpreende é o direcionamento total no preparo de um profissional com a clara missão de guerra, do primeiro ao último tópico, no manuseio de armas de fogo, chegando ao ápice da “utilização da baioneta”, e nos perguntamos em que situação o Policial Militar usaria sua baioneta.
O terceiro e último item é “Instrução Geral”, esta totalmente baseada na formação do militar, já que aborda os regulamentos disciplinares, oriundos do Exército, aos quais os Policiais Militares devem respeitar.
Já a letra “b” do último item trata do Regulamento Disciplinar e do Código Penal, realizando uma abordagem que se inicia com as transgressões disciplinares, passa pelos crimes militares, terminando com a "conduta do militar de modo geral".
A primeira instrução, com início na página cinco do referido manual, era intitulada “Distúrbios Civis”, e possui vários subtítulos como “transformação de uma aglomeração em turba", e "posições para conduzir as armas". No caso, o exemplo exposto em desenho é um fuzil com baioneta armada Este manual requer um estudo exclusivo; apenas o citamos para demonstrar que a influencia o trabalho do Estado Novo perdurou.

1937/ESTADO NOVO

TURMA DE FORMANDOS DE 1937, NA ESCOLA DE RECRUTAS.

Em 08 de maio de 1937, conforme Boletim Interno da Escola de Recrutas, Getúlio Vargas envia para a corporação mensagem elogiando a PMDF, “Em conseqüência do estado anormal, provocado pelos movimentos subversivos que atribuíram novos encargos á Policia Militar...”.
O Boletim Interno da Escola de Recrutas nº 119 de 03 de junho de 1937, revela que mais um determinado número de Policiais Militares foi excluído. O motivo da abertura do procedimento apuratório foi uma festa que ocorreria na casa do Cb. Henrique Juvêncio Pereira Dias, que teria feito quinhentos convites, em homenagem ao Chefe do Partido Integralista Plínio Salgado. No seu Parecer, o Sindicante afirma textualmente na página nº 382, do Boletim citado, que "A PMDF é a primeira guarda do regime vigente...”.
Este evento demonstra o grau de envolvimento de uma Praça da Polícia Militar do Distrito Federal com um movimento político, e como conseqüência, o Cabo Henrique perdeu sua profissão, sendo preso e passando a responder processo.
O Chefe de Polícia, o Capitão de Exército Felinto Muller, travava de impedir qualquer sinal de resistência à ditadura, agora oficializada.

FERNANDO DE NORONHA, O PARAÍSO?

A Ilha de Fernando de Noronha, que contou com um presídio político a partir de 1938, teve um contingente escolhido com muito cuidado, a fim de executar as funções de carcereiros, cabendo à Escola de Recrutas um efetivo de um primeiro e um segundo tenentes, três sargentos, dez cabos, cinqüenta e sete soldados e um corneteiro.
Como facilmente pode se observar, o Estado Novo tinha grande confiança em seu trabalho na construção de uma corporação fiel aos princípios do Estado Novo, a ponto de deslocar do Distrito Federal um contingente desta magnitude, tendo tropas do Exército em todos os Estado do Nordeste.

Presos políticos em Fernando de Noronha.
Carlos Marighela é o quarto, em pé, da esquerda para direita, Gregório Bezerra e Agildo Barata.
Foto tirada em 1942.

Apesar de toda repressão, havia Policiais Militares que se negavam, ou pelo menos resistiam, a tal serviço, como podemos constatar através do Boletim Interno da Escola de Recrutas nº 23 de 27 de janeiro de 1939. É o caso do soldado Antonio Lopes dos Santos, que se recusou a ficar em Fernando de Noronha, alegando estar com problemas de saúde; o detalhe importante é que o policial regressou escoltado e preso, sendo excluído; a justificativa: "... não possui o espírito de sacrifício que caracteriza um bom policial militar,...”. Não existia a possibilidade de não exercer a função determinada pelo Governo de Getúlio Vargas; a pena implacável era o fim da liberdade e a perda da profissão.
“SEPARAR O JOIO DO TRIGO!”
Em 12 de maio de 1939, conforme Boletim Interno nº 108, é instituído critério para o enquadramento do comportamento das Praças, com "conduta exemplar". O policial que não sofresse nenhuma punição disciplinar pelo período mínimo de dez anos, passando pela "conduta muito boa", "boa conduta", "conduta sofrível" até chegar "conduta má" para Policiais que tenham sofrido punições que somadas alcançassem trinta dias de prisão no período máximo de dois anos.
Desta forma, mais uma divisão é criada entre as Praças, funcionando como um controle psicológico sobre o imaginário coletivo dos policiais, pois o que realmente importava era a natureza da "falta disciplinar". No que se refere aos nossos estudos, à participação política em qualquer movimento oposicionista era punido com a exclusão, mesmo que o policial estivesse no comportamento "conduta exemplar".
ADEUS FACÓ!
Já o Boletim Interno nº 08, de 19 de junho de 1940, traz uma mensagem do General Edgard Facó quando da passagem do Comando da Corporação, que foi exercido durante todo Estado Novo por um General, criando uma triste tradição, que somente foi abolida com o Governo de Leonel de Moura Brizola em 1982, quando nomeia o Cel. PM Carlos Magno Nazareth Cerqueira para comandar a Polícia Militar. Esta é uma realidade que ainda sofre momentos de retrocesso, s como no Governo de Marcelo Alencar, que subordinou a Corporação à Secretaria de Segurança, em que o Secretário escolhido foi um General.
A referida mensagem ilustra bem a concepção de uma polícia puramente militar e com objetivos claros de defesa do Estado Novo. Se não, vejamos o item intitulado pelo General Edgard Facó de "Instrução", em que reconhece ser a instrução "... a parte mais importante de qualquer Instituição Militar...", aponta como realização a participação de vários oficiais do Exército nas instruções, que no ano de 1938 todos os Batalhões da Polícia tiveram um período de acampamento na Vila Militar, em que foram estudados e executados exercícios de infantaria, e ainda lamenta que no ano de 1939 não tivesse oportunidade de refazer estas instruções, demonstrando com este discurso que a formação do policial militar era encaminhada para a preparação de um soldado apto a realizar as funções pertinentes às Forças Armadas.
No item disciplina, o General Edgard Facó oferece um notável testemunho, confirmando a problemática por nós abordada, deixando claro o trabalho de eliminação das fileiras da instituição daqueles que se atrevessem a exercer os seus direitos políticos e/ou partidários. Se não, vejamos:
“... Excluí sistematicamente todas as praças que cometeram faltas graves e cuja relação de corretivos assinalava faltas numerosas com punições severas. Por esses e outros motivos o pessoal da Corporação foi renovado nesses dois anos em cerca de um quarto do efetivo, o que permitiu, graças ás rigorosas medidas tomadas para o recrutamento..." Boletim Interno nº 08 de 19 de junho de 1940 – fl. 511.
Um depoimento que demonstra sem maquiagem a política do Governo Federal em relação à Polícia Militar do Distrito Federal. O General Facó comandou através do exercício da exclusão de policiais.
Este processo de construção de uma fidelidade cega aos interesses do Estado, independente de sua legitimidade e/ou legalidade, com esta semente tão bem cuidada e cultivada, encontrou nos Governos seguintes o cuidado suficiente para se consolidar.

1964 O GOLPE
Com o advento do golpe militar de 1964 a Polícia Militar do Estado da Guanabara foi muito importante, por ser a Guanabara a capital política, não de direito, mas de fato, do país.
Grandes manifestações políticas, envolvendo milhares de pessoas eram desencadeadas no centro da cidade.
A atenção era de tal magnitude que já nos últimos capítulos desta terrível ditadura, que submeteu o Brasil, não se descuidava, como podemos constatar através do Boletim da Corporação número 04 de 03 de janeiro de 1979, em apontar, quais as missões que pertenciam à Corporação e o capitulo três, com o título DEFESA INTERNA E DEFESA TERRITORIAL, determinava que as unidades da Polícia devessem ser empregadas nas ações de Contraguerrilha Urbana e Rural, devidamente subordinada a Corporação, ao Exército Nacional.
No ano de 1981, através do Boletim número 180 de 06 de novembro, orientações no sentido da conduta da Corporação diante de medidas repressivas sobre a “... HIPOTESES DE PERTUBAÇÃO DA ORDEM” reforçaram o pronto emprego da Polícia Militar do agora Estado do Rio de Janeiro, nas chamadas “medidas operativas” contra o “inimigo” destacamos o item dois para melhor dimensionarmos o que era previsto e entendido como missão da Corporação, a saber:

“2) Operações Tipo Polícia
As operações tipo polícia são realizadas, principalmente, com finalidade de:
a) Controle da população;
b) Segurança da tropa, instalações, vias de transporte e núcleos urbanos importantes.
Os objetivos das operações tipo polícia são:
- Isolar a força de guerrilha de seu apoio civil;
- Impedir a interferencia da população civil no desenrolar das operações amigas.”

Como ato final dedicado neste período à Corporação, foi publicado o Regulamento Disciplinar da Polícia Militar (RDPM) no Boletim da Corporação, de 11 de março de 1983, quatro dias antes da assunção do novo Governador eleito pelo voto popular Leonel de Moura Brizola.
O trabalho junto à Polícia Militar foi realizado pelo movimento golpista de 1964 até o último instante, buscando manter sua influência no controle desta Corporação.

UM NOVO CAMINHO A SER TRILHADO!
Em um processo eleitoral democrático, em 1982, de forte disputa entre os candidatos dos partidos políticos Movimento Democrático Brasileiro – Miro Teixeira e Sandra Cavalcante, do Partido Trabalhista Brasileiro, o vencedor foi o candidato do recém criado Partido Democrático Trabalhista, Leonel de Moura Brizola, herdeiro político do trabalhismo nacional, com um histórico político em que seu temperamento combativo gerou em seus contemporâneos ódio ou amor, sempre aos extremos.
Na área da segurança pública, em seu primeiro ato, foi publicado no Diário Oficial do Estado número 51 de 17 de março de 1983, a nomeação de Vivaldo Vieira Barbosa para secretário de Segurança. O decreto esclarece que tal medida apenas vigoraria enquanto não fossem designados os titulares das pastas criadas nesta mesma publicação, a Secretaria da Polícia Judiciária e dos Direitos Civis e a Secretaria de Policia Militar.
Com a assunção à Secretaria de Polícia Militar do reconhecido internacionalmente em sua competência e idéias avançadas na área de Segurança Pública, Cel. PM Carlos Magno Nazareth Cerqueira, um caminho de transformações foi iniciado internamente na Corporação. As mudanças foram de tal magnitude que o apresentado neste trabalho não representa a metade de ações promovidas pelo Cel. Cerqueira.
Como demonstração de profissionalismo, apontaremos o resgate do Projeto das Cabinas, que foi implantado em 1981, sendo extinto em 22 de abril de 1982, através do Boletim da Policia Militar número 41. Esta forma de policiamento se diferencia por criar em um pequeno espaço físico um ponto de apoio à comunidade circunvizinha que o identifica rapidamente, vindo a se transformar em referência da presença da Polícia Militar, além de criar base mais salutar para o profissional de segurança pública.
Na formação dos Oficiais da Polícia Militar, foi de fundamental importância a criação e aprovação do Regulamento da Escola de Formação de Oficiais (R-10), através do Boletim PM número 212, de 27 de dezembro de 1983, gerando uma conduta a ser seguida em relação aos alunos, independente do comando da Escola, uma linha norteadora básica fica instituída a qual comando e alunos devem seguir, impedindo assim, no plano legal a condução do comando da escola no simples entendimento de seu comandante.
O mesmo ocorreu com a Escola Superior de Polícia Militar, com a aprovação das Instruções de funcionamento da referida Escola, conforme Boletim da PM número 212 de 03 de dezembro de 1983.
Nas Instruções de funcionamento da Escola Superior de Polícia Militar, vamos encontrar, por exemplo, o artigo nove, que em seu item II, prevê que o curso tem a finalidade de capacitar melhor o oficial “... para consolidar e aprimorar a sua consciência democrática.”
Em relação aos Soldados da Corporação, criou o Cel. PM Cerqueira a Avaliação Operacional, procedimento em que todos os envolvidos no processo de formação dos novos profissionais seriam ouvidos, inclusive os alunos, a quem caberia responder às seguintes questões, conforme publicação no Boletim da PM número 155 de 15 de agosto de 1984, página 03:

”(1) Critica do currículo;
2) Deficiencias de conhecimento prático;
3) Deficiencia de conhecimento teórico;
4) Dificuldade de ajustamentos;e
5) Sugestões.”

Neste mesmo Boletim, foi criada a instrução de tiro para Cabos e Soldados de toda Corporação.
Em 31 de agosto de 1984, através do Boletim PM número 167, cria o Secretario da Polícia Militar o curso Supletivo, a fim de atender a todos os Policiais Militares que desejassem concluir seus estudos.
Em 14 de março de 1985, com o Boletim número 049, foram dedicadas vinte e três páginas de oferecimento de cursos, abrangendo de cursos de língua estrangeira – inglês e francês, a cursos profissionalizante, como mecânica de auto, além do Curso de Formação de Sargentos e Formação de Cabos, entre outros.
Pelo Boletim PM número 38 de 28 de novembro de 1986, a Corporação oferece o primeiro curso de informática, lançando finalmente a Polícia Militar na era da informatização.
Além da atenção nítida do Comando na formação de um profissional mais bem preparado, são tomadas medidas como a inédita pesquisa realizada pelo IBOPE junto à tropa, a fim de se ter uma avaliação da Corporação pela tropa, tudo registrado pelo Boletim PM número 40 de 01 de março de 1985.
Ao mesmo tempo em que trabalhava no sentido de capacitar ainda mais Oficiais e Praças da Corporação, desmobilizava o forte aparelho de repressão política, com ações emblemáticas. Apontamos, por exemplo, no mês seguinte à sua assunção ao Comando, transfere 100 Policiais Militares do Batalhão de Polícia de Choque para unidades operacionais, conforme publicação contida no Boletim PM número 31 de abril de 1983.
Nesta mesma direção, determinou aos Comandantes, Chefes e Diretores, através do Boletim da PM número 78 de 26 de abril de 1984, que indicassem diretamente ao Comandante Geral, Capitães, Tenentes, Subtenentes, Sargentos, Cabos e Soldados a fim de que os mesmos apresentassem sugestões ao referido Comando.
Mas a democracia na Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro apenas funcionaria de cima para baixo, até mesmo com o Cel. Cerqueira.
Quando o Clube de Oficiais da PMERJ convocou uma assembléia para se discutir, entre outros temas, a questão salarial, o Comando da Corporação proibiu a participação de Oficiais neste movimento, gerando a prisão do então Major PM PAULO Sérgio RAMOS Barbosa, por dez dias, por haver enviado uma carta a um jornal de grande circulação, em que tratava de questões salariais e convocava todos os Policiais Militares para a assembléia a ser realizada no Clube de Oficiais da PMERJ.
O próprio Cel. Cerqueira era observado de perto pela Inspetoria Geral de Polícias Militar, órgão criado por Getúlio Vargas após o movimento Constitucionalista de 1932, com o objetivo de controlar as policiais militares estaduais. Chefiada por um oficial General do Exército Brasileiro, passa a controlar com a maior atenção as Policias Militares Estaduais.
O Secretário de Policia Militar Cel. PM Cerqueira não foi poupado, no Boletim PM número 89 de 14 de maio de 1984, foi tornada pública a correspondência do General de Divisão Luiz da Silva Vasconcellos enviada à Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, em que determina que sejam observadas as normas que criaram a IGPM, e que fosse encaminhado àquela Inspetoria qualquer anteprojeto de legislação estadual relativa à PMERJ, a fim de ser submetido à apreciação do Estado Maior do Exército.
O poder financeiro e bélico dos traficantes de drogas no Rio de Janeiro, seja pelo maior consumo de cocaína, motivado pela forte recessão que perdurou durante toda década de 80 ou pelo fato do Rio de Janeiro passar a ser um ponto importante na rota internacional desta droga, o fato é que a sociedade fluminense passou a conviver com esta situação, transformando de forma definitiva a realidade no Estado do Rio de Janeiro.
Setores mais radicais e conservadores da sociedade identificavam a política de respeito à cidadania por parte da Polícia com uma forma demagógica de fazer política, levando inclusive setores da própria Policia a resistirem à implantação e implementação desta via apresentada pelo Cel. PM Cerqueira.

ABERTURA DE SEUS PORTÕES!
A abertura dos portões da Corporação à sociedade civil foi uma marca do Comando do Cel. PM Cerqueira. Não só participou dos eventos patrocinados pela sociedade, como os transcrevia na íntegra, no Boletim da PM, divulgando eventos, como a participação da Polícia Militar, como foi registrada no Boletim da PM número 25, de 06 de fevereiro de 1984, pág. 18 – 21, da Ata da 3ª Reunião Ordinária do Conselho de Justiça e Segurança Pública e Direitos Humanos.
QUAL RUMO TOMAR?
Estudioso e pesquisador na prática do Comando, o Cel. Cerqueira deixa claro que sabia muito bem o rumo que a Corporação precisava seguir para um desempenho mais técnico profissional, sem descuidar do fortalecimento de um espírito democrático essencial para o desempenho da função policial militar.
O Boletim da PM número 155 de 15 de agosto 1984, pág. 24-28, traz um verdadeiro ensaio, digno de estudo hoje, vinte e cinco anos depois de sua publicação; é material para um trabalho monográfico específico, quer seja pela sua atualidade ou pela necessidade profissional da Corporação.
Contudo, usaremos apenas algumas linhas a fim de demonstrar o objetivo do Comando à época. Esclarecemos ainda que vamos excepcionalmente ignorar as regras da ABNT a fim de oferecer o destaque que entendemos ser necessário ao texto a seguir:

“Assim, a partir das atribuições cometidas à Corporação e em face do Plano de Desenvolvimento Econômico e Social do Estado do Rio de Janeiro, o Comando interpretou a missão e estabeleceu a sua FISOLOSOFIA. Daí, o OBJETIVO-SÍNTESE:
PROMOVER, ADAPTANDO A ESTRUTURA POLICIAL-MILITAR ÀS EXIGÊNCIAS DA SEGURANÇA PÚBLICA, O AJUSTAMENTO COMPORTAMENTAL DA ORGANIZAÇÃO DENTRO DE UMA NOVA CONCEPÇÃO DE ORDEM PÚBLICA, NA QUAL A COLABORAÇÃO E A INTEGRAÇÃO COMUNITÁRIA SEJAM OS NOVOS E IMPORTANTES REFERENCIAIS, O QUE IMPLICA EM UM NOVO POLICIAL E UMA NOVA POLÍCIA''
...
“c. A PM É UMA ORGANIZAÇÃO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS.
A PM como serviço público deve ter como escopo organizacional primário o de Servir. A idéia de SERVIDOR PÚBLICO deve permear todas as ações dos integrantes da Corporação. A organização deve, pois, ser entendida como uma exceção de direito que tem o cidadão de proteger-se e de proteger o seu patrimônio. ”
...
“A idéia básica que deve nortear todos os estudos e ações da área operacional é que a ordem pública, por ser complexa, não pode ser mantida ou preservada somente pelos organismos policiais, cabendo à comunidade uma boa parcela de participação.
POLICIAMENTO. A melhoria do policiamento não implica necessariamente no aumento dos efetivos. “Buscar-se-á essa melhoria através de avaliações das técnicas utilizadas atualmente, de forma a se construir planejamento mais flexíveis, no sentido de otimizar os resultados...”
Com estas idéias, fica claro que o trabalho do Cel. PM Cerqueira iniciou uma ponte de real aproximação entre a Corporação e a sociedade.
Em 17 de setembro de 1984, o Secretário de Polícia Militar transcreve no Boletim PM número 177, pág. 51-64, a proposta por ele apresentada no Seminário RIO CONTRA O CRIME.
Com coragem, a proposta aborda a função da Polícia, verdadeira pérola para estudos, deixando demonstrado ao público externo e interno o que acreditava ser o papel da Polícia Militar.
Desmistifica o Cel. Cerqueira a concepção de uma polícia como única responsável e capaz de resolver o problema da falta de segurança pública, conclamando o público interno a assumir sua condição de servidor público, e dividindo com a sociedade a construção de alternativas para o campo da segurança pública.

NOVAS ELEIÇÕES - 1986
Os ventos da democracia começavam a soprar com maior velocidade, levando a divulgação de dados estatísticos que até aquele momento ou não eram pesquisados ou divulgados, criando uma sensação de insegurança em boa parte da população do Estado.
Este sentimento de extremismo fortaleceu a candidatura, e posterior eleição de Wellington Moreira Franco, do PMDB, que já havia participado da campanha eleitoral de 1982 pelo Partido Democrático Social – PDS -, antigo grupo político que integrava a Aliança Renovadora Nacional – ARENA, partido de sustentação política dos Militares que aplicaram o golpe de Estado em 1964, sendo rebatizado mais tarde em Partido da Frente Liberal, hoje Democratas.
Com um discurso de que acabaria com a violência no Rio de Janeiro em seis meses, criou uma armadilha terrível para o seu próprio governo, ficou de pés e mãos atados quando assumiu o governo, levando a Corporação a um marasmo tanto na questão técnica quanto política.
Com ações isoladas de prisões dos responsáveis pela comercialização de grandes quantidades de entorpecentes, sobreviveu o governo Moreira Franco com promessas ao público interno de isonomia salarial com as Forças Armadas, o que nunca ocorreu.
Os quatro anos de governo Moreira Franco foram marcados pela promulgação da Constituição Federal de 1988, sendo que nos dois anos seguintes de seu governo, nenhuma medida de modernização na Legislação da Polícia Militar pode ser observada, nem mesmo uma divulgação deste importante momento foi realizada, marcando assim o início do abandono da Corporação diante da Carta Magna do país.
Foram quatro anos em que não se avançou na construção de um profissional de segurança pública cidadão, mas também não houve uma política sistemática de retrocesso nas conquistas até aí alcançada, os cursos de formação seguiram uma rotina para o público interno e se fortaleceu a política de contratação de novos policiais a quantidade foi encarada como solução para a questão da segurança pública.
Os Boletins diários não mais forneciam material para o debate do papel da Polícia Militar em um Estado Democrático, a administração da Corporação foi coerente e honesta, contudo burocrática, sem novidades para a temática deste trabalho.
Como já afirmamos inicialmente, o fracasso do Governo Moreira Franco teve sua origem na campanha eleitora, com a sua promessa de acabar com a violência em seis meses, tal proposta não conseguiu seduzir nem mentes e nem corações da Corporação e algum tempo depois nem do povo fluminense.
Não somente os integrantes da Corporação como entidades civis que pensam a questão da violência de forma séria e cientifica perceberam que o governo em questão enfrentava o problema de maneira populista e inconseqüente.

BRIZOLA DE NOVO!
Após concorrer às eleições de 1989 à Presidência da República, ficando em terceiro lugar com mais de onze milhões de votos, acima dos 15% dos votos válidos, em 1990 Leonel de Moura Brizola se candidata pelo PDT ao Governo do Estado do Rio de Janeiro, vencendo novamente as eleições, a menos de nove de sua última vitória ao governo do Estado do próprio Rio de Janeiro.
Como era previsível, o Governador Leonel Brizola convoca da Reserva Remunerada o Cel. PM Carlos Magno Nazareth Cerqueira, para assumir o Comando da Corporação e a Secretaria de Polícia Militar.
Por sua vez o Cel. PM Cerqueira nomeia como seu Sub-Secretario o Cel. PM Jorge da Silva, personalidade com fácil trânsito no mundo acadêmico e que tem em suas idéias uma referência a todos que debatem sobre a questão da violência, não apenas no Rio de Janeiro, mas em todo Brasil.
Com vários livros publicados, o Cel. PM Jorge da Silva sempre trabalhou em favor da política proposta pelo Cel. PM Cerqueira, não apenas por uma questão de “fidelidade ao comando”, mas por convicção política e ideológica.
O recente Estatuto da Criança e do Adolescente recebeu de imediato a atenção do Secretário. A questão que através do Boletim PM número 08 de 26, de março de 91, página 09 e 10, foram determinados aos Comandantes, Chefes eram Diretores que fizessem uma grande divulgação ao público interno do Estatuto, e ainda determinou que:

“Nos locais de grande concentração de Meninos e Meninas de Rua, promover articulação de esforços com a Pastoral da Criança, Centros de Defesas e demais entidades que cuidam especificamente da questão.”

No Boletim PM seguinte número 09 de 27 de março de 1991 – página 23, o Comandante determina que todos os Comandantes apresentem uma relação de Oficiais subalternos (tenente), Subtenentes, Sargentos, Cabo e Soldados a Secretaria do Gabinete do Comandante Geral, a fim de reativar o Conselho de Pares, com o objetivo de reabrir o canal de interação entre o Comando Geral e a tropa da Corporação.
Em três de abril de 1991, inicia o Comandante Geral uma série de publicações na Quinta parte do Boletim da PM, em que transcreve artigos seus publicados no Jornal do Brasil.
O primeiro deixa claro que o Cel. PM Cerqueira encarava esta nova jornada frente à Secretaria de Polícia Militar com o forte propósito de sanear a Corporação das mazelas da corrupção, e da violência contra as classes mais humildes.
O artigo falava sobre o linchamento sofrido por um americano, negro, em que seus algozes eram integrantes da Policia transcrevemos algumas passagens desta matéria, a seguir:
“...a “guerra contra o crime” não pode ser uma guerra contra as classes mais humildes – alvo predileto não só dos marginais como da polícia arbitrária.”
...
“ com sua apatia, a sociedade, pela via da realidade, está delegando aos órgão policiais o direito de vida e de morte.”

No Boletim PM número 36 de 08 de maio de 1991 – página 21/22, uma nova matéria do Jornal do Brasil, intitulado “Os dois lados do balcão” dizia:

“As tentativas de aperfeiçoar o aparelho policial resultaram inúteis porque um imenso espírito corporativo, da polícia civil, da polícia militar, passando pela polícia federal, passa uma esponja em tudo. A polícia militar é de longe a mais violenta do mundo, como demonstraram estatísticas recentes.”

No aniversário da Polícia Militar em 1991, em uma solenidade de entrega dos espadins aos futuros Oficiais da Corporação, o Comandante Geral publica no Boletim da PM, número 38 de 10, de maio de 1991, uma avaliação sobre o papel do funcionário público em que afirma textualmente que “... a noção de serviço público se desmorona quando se substitui a sua clientela preferencial – o público, pelo particular.” e acrescenta: “...é necessário repensar o papel da nossa Corporação, o papel da polícia em uma sociedade democrática e pós-industrial.”
Um exemplo de mudança foi à publicação do Boletim PM, número 183, de 29 de setembro de 1993, em que o Comandante Geral convoca voluntário a servirem nos Centros Comunitários de Defesa da Cidadania, centros implantados em comunidades carentes com a participação de várias secretarias estaduais e entidades civis como a OAB. Os Policiais Militares deveriam ser voluntários a executar tal serviço que aproximava de forma positiva a Polícia Militar da sociedade.
Varias foram as publicações no sentido de chamar a Corporação a pensar e repensar o seu papel em um Estado Democrático. Com esta sadia provocação, o Cel. PM Cerqueira conquistou mentes e corações com cursos de INTERATIVIDADE, o Comandante Geral trabalhava com o objetivo de criar um canal entre os círculos internos a sociedade. Até os dias atuais, sua filosofia de trabalho dentro da Corporação ainda é citada em várias ações atualmente aplicadas, mas que tiveram seu nascedouro à época do Cel. Cerqueira. Contudo, uma resistência interna também foi construída, acontecendo o mesmo com a sociedade civil, que não raramente repetia pejorativamente que “agora bandido é cidadão”, que “a polícia não podia mais subir a favela” e etc.
Em 04 de janeiro de 1995, uma última mensagem nos foi deixada no Boletim 3ª assinada pelo Comandante Cel. PM Cerqueira; nela o Comandante se despede agradecendo o apoio recebido e se desculpando por falhas cometidas.
O Cel. PM Cerqueira foi o responsável pela criação dos Conselhos e Comissões de Éticas da Corporação, cada Policial Militar recebeu um exemplar do Código de Conduta para Funcionários Encarregados de Fazer Cumprir a Lei da Organização das Nações Unidas, implantou o Policiamento Comunitário, o Policiamento Especial de Estádios e de apoio ao Turista, o Programa Educacional de Resistência às Drogas (PROERD), plantou a semente da democracia e respeito à cidadania, e por isso foi e é a consciência deontólogica da Corporação.

1995 – NOVO GOVERNO E DOIS CAMINHOS
A eleição de 1995 elege o ex-prefeito, Marcelo Alencar, eleito pelo PDT de Brizola, mas agora filiado ao PSDB partido identificado com o sucesso do Plano Real do ano anterior.
Como primeiro ato, o novo Governador nomeia o General Euclimar Lima da Silva, e como Comandante Geral, o Cel. PM Dorasil Castilho Corval, coronel admirado por seus pares e subordinados por sua competência e honestidade.
Nos primeiros cinco meses, tudo se encaminhava para a continuidade de um processo de continuidade na profissionalização e aproximação da Polícia Militar com a democracia. Um decálogo foi criado pelo Comandante Geral, em que afirmava entre outros itens que a legalidade da ação policial e o suporte entre a convivência pacífica e a produtividade, aborda a instrução como necessária para um combate ao crime mais eficaz e ressalta que o policial é o maior patrimônio da Corporação. Este decálogo foi divulgado insistentemente por toda corporação através de publicações e leituras, dirigidas a tropa, de forma obrigatória.
Em maio de 1995, com a substituição do Secretário de Segurança, assume o General de Exército Nilton de Albuquerque Cerqueira, admirado pela linha conservadora da Corporação.
Com uma política de incentivo ao confronto, o Secretário inicia condecorando com o distintivo “Coragem e Destemor” os policiais que se destacaram em ocorrências de grandes proporções, em seguida premiando com uma semana de férias nas colônias da Corporação de Cabo Frio e Campos dos Jordão estes mesmos policiais.
Em seis meses à frente da Secretaria de Segurança o General Cerqueira inicia uma série de promoções e gratificações conhecidas por “pecúnia” a estes policiais; não raro a corporação tinha duas solenidades com este propósito por semana, com efetivo de premiados nunca inferior a quinze policiais, chegando a noventa policiais em uma única solenidade.
As ocorrências premiadas eram lidas nestas solenidades, muitas ocorriam na escola de formação dos novos policiais que a tudo presenciavam. Muitas destas ocorrências eram verdadeiras afrontas às técnicas ministradas naquele centro de formação, ocorrências envolvendo policiais que isoladamente ou em dupla abordavam quatro ou cinco foras-da-lei, em que o cerco policial era ignorado. Não por acaso tais gratificações e promoções ficaram conhecidas como “gratificação faroeste”.
Com o objetivo de atestar o que afirmamos transcrevemos de um boletim, o de número 27, de 07 de fevereiro de 1996, três ocorrências que geraram promoções e que desrespeitavam totalmente os princípios técnico-profissionais da função policial militar em qualquer parte do mundo; vejamos:
“Ao se dirigir para o local conhecido como morro do Jorge Turco os dois policiais foram recebidos a tiros por mais de trinta traficantes...”
“...apesar da inferioridade numérica e de armamento, os dois policiais com coragem e destemor enfrentaram os inimigos da lei...”
“Apesar da situação desfavorável o guerreiro enfrentou os marginais mesmo com ferimentos nas costas e no braço direito...”
Não raro, policiais, que foram incentivados pelo discurso característicos dos filmes de ação norte-americanos, recebiam suas promoções em cadeiras de rodas ou de muletas; infelizmente muitas viúvas de policiais militares também recebiam um buquê de flores nestas oportunidades.
Acompanhado desta nova realidade, um distanciamento do processo de reaproximação entre Polícia Militar e população ocorreu. O General Cerqueira, através do Boletim da Secretaria de segurança número 125, de 14 de novembro de 1995, proíbe qualquer integrante da Corporação de comparecer ou emitir opiniões em reuniões, conferências ou debates.
Com a política de quantidade superando a de qualidade, os cursos oferecidos, com raras exceções, eram os de formação de soldados, inclusive foi criado a esta época os cursos de formação de soldados em unidades operacionais, não sendo mais o Centro de Formação da Corporação o único portão de acesso à Polícia Militar. O que levou as unidades operacionais a oferecerem um curso muito inferior no aspecto técnico, pois dividia suas funções operacionais com a de ensino, sempre em instalações improvisadas e com instrutores na maioria das vezes sem a devida qualificação.
A gestão do General não tinha meias palavras, o confronto era em seu entender a solução da questão da violência urbana, cabendo exclusivamente às forças policiais resolverem tal questão.
A fim de melhor demonstrarmos a política do General frente à Secretaria de Segurança Pública no período de 18 de maio de 1995 a 15 de abril de 1998, citaremos a sua mensagem de despedida publicada no Boletim da Polícia Militar número 167 de 15 de abril de 1998.
O confronto, característica primeira de sua política, fica facilmente identificado, apontando ainda onde deve ser desenvolvido com maior ferocidade, quando logo no inicio de sua mensagem final caracteriza gestão anterior:
“Desestimulava-se e até mesmo desaconselhava-se, ostensivamente, as incursões nos chamados “santuários” do crime...”
É obvio que o General se refere às comunidades que habitam os morros cariocas, por ele apontado como “santuários do crime”.
A academia não foi esquecida, e com o seu discurso franco e direto, uma de suas qualidades, o General afirma que:
“Sem confundir a política global do Governo, com ação policial, o que acontece normalmente com os policiólogos, antropólogos, ou melhor, os “autos-ditos” cientistas sociais...”.
Fica claro que no entender do Secretário de Segurança Pública política global e ação policial não se misturam e violência “é assunto de polícia”, usando palavras pejorativas com objetivo de desqualificar a participação da academia e da sociedade civil na busca de uma solução, o inverso da política da antiga gestão.
O plano de carreira é apontado como uma grande realização, plano este que levou milhares de profissionais a serem promovidos sem um curso de formação; primeiro são promovidos, continuam a exercer as funções da graduação anterior com as obrigações da nova graduação; o curso que o habilita para nova graduação é realizado meses ou anos após a graduação conquistada, em cursos de menor duração. Com o objetivo de melhor ilustrar o curso de Formação de Sargentos regular, com acesso pelo profissional conquistado por mérito intelectual, tem a duração de um ano enquanto o curso oferecido aos profissionais beneficiados pelo plano de carreira duravam quarenta e cinco dias.
Esta situação levou a um desconforto profissional em ambos os grupos, os que cursavam o curso regular não conseguiam entender como policiais da mesma graduação acessavam a escada hierárquica de formas completamente diferentes; e os promovidos pelo recém decreto promulgado continuavam a exercer suas antigas funções, não reconhecendo na prática a sua nova graduação.
O desligamento do General Cerqueira antes do término do Governo Marcelo Alencar foi motivado pelo seu desejo de se reeleger Deputado Federal, o que não conseguiu.
Como ato derradeiro de demonstração inequívoca de que a Polícia Militar não compartilhava em sua totalidade da política implementada pelo General em suas despedidas, em uma ordem do dia publicada no Boletim da Corporação, o Cel. Dorasil, ao deixar o Comando, agradece à varias autoridades que colaboraram com seu comando, mas em nenhum momento cita o General Cerqueira.

1998 – ANTHONY GAROTINHO
Anthony Garotinho, político do norte fluminense iniciou sua carreira como vereador pela cidade de Campos dos Goytacazes elegendo-se pelo Partido dos Trabalhadores.
Radialista com carisma, trasfere-se para o Partido Democrático Trabalhista onde se elege Governador do Estado do Rio de Janeiro em 1998, conseguindo quatro anos mais tarde elege sua esposa como sua sucessora.
Direcionou os caminhos da Polícia Militar a uma trilha muito próxima ao que já fora defendido pelo Cel. PM Cerqueira. Como primeira medida convida o antropólogo Luiz Eduardo Soares para ser o Coordenador de Segurança, Justiça, Defesa Civil e Cidadania e Julita Tammuri Lemgruber para assumir a Subsecretaria de Pesquisa e Cidadania de Secretaria de Estado de Segurança Pública.
Especificamente para o Comando Geral da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro foi escolhido o Coronel PM Sérgio da Cruz, oficial admirado por seus pares e subordinados por sua inteligência, honestidade, dedicação ao trabalho, descrição e austeridade no trato da coisa pública.
Já em 05 de janeiro de 1998, através do Boletim PM, o Cel. Sérgio da Cruz aponta as diretrizes de seu Comando, recebendo o primeiro item o subtítulo “DIREITOS HUMANOS”, afirmando textualmente que:
“Cabe ao Policial Militar, portanto, reconhecer a inteligência dos Direitos Humanos, não como um óbice que restringe a atuação, mas, principalmente, como a principal fonte de sua autoridade...”

No tópico III, fala o Comandante Geral em INTELIGÊNCIA, afirmando que “... a idéia de força deve estar sempre subordinada ao esforço de inteligência.” Tal afirmativa é o inverso da política anterior.
Toda diretriz é permeada de frases como “... atendimento democrático das demandas e expectativas sociais...”.
Com frases de efeito, como “corte na própria carne” já se preparava uma operação em que Policiais Militares e Civis seriam investigados por suas condutas suspeitas, seria a Comissão Mão Limpas dirigida por Luiz Eduardo Soares que assumiu tal responsabilidade de difícil execução.
Antes porém, medidas importantes foram tomadas, como a Criação da DELEGACIAL LEGAL, uma verdadeira revolução no plano de atendimento à população, algo que seria inimaginável para quem vivia o pesadelo das antigas, sujas, inoperantes Delegacias, que na verdade não passavam de mini-presídios.
O retorno do Policiamento Comunitário em abril de 1999, conforme publicação em Boletim da PM número 64, resgata uma forma de policiamento que se apresenta ate os dias atuais como uma das formas mais eficazes de combate à violência.
Em maio, conforme Boletim PM número 83, fica criada as Áreas Integradas de Segurança Pública, são 36 áreas com o objetivo de integrar e fazer interagir os Batalhões da Policia Militar e as Delegacias, com metas a serem alcançadas, em que Delegados e Comandantes na prática perderiam seus comandos se os objetivos não fossem alcançados.
Foi criado o Instituto de Segurança Pública, com uma proposta ousada, a de criar a NOVA POLÍCIA, um processo ainda mais forte de integração entre as duas policias, e que sofreu muita resistência dentro das duas Corporações altamente corporativistas, principalmente entre os de maiores patentes e delegados.
Implantação de salas de aulas nos Batalhões a fim de proporcionar o acesso de Policiais que ainda não possuíam o segundo grau, a Polícia Militar foi recordista em aprovação e freqüência do projeto tele-curso de segundo grau.
Foi aberto um canal de interação com a Academia, através do Projeto PMERJ e Pesquisadores de Universidades.
Até março de 2000, o governo de Garotinho tinha esta postura em relação à Segurança Pública, mas tudo muda com a demissão “espetacular” de Luiz Eduardo Soares, destituído publicamente através do noticiário de televisão RJ/TV em 17 de março de 2000.
Começa a política de segurança do Governador Garotinho a “fazer água”, informações começam a vazar, e em 04 de julho de 2000, o Jornal do Brasil publica que segundo informações da Secretaria de Segurança Publica Estadual por volta de 1000(mil) policiais pertenciam à “banda podre” das polícias.
Em 28 de julho de 2000 através do Boletim PM número 29, é publicado o Decreto Estadual número 26.812, de 26 de julho do mesmo ano, colocando em disponibilidade policiais suspeitos de envolvimento em ações delituosas.
Na primeira lista quinze Policiais Militares, sendo o de maior grau hierárquico um terceiro Sargento e trinta e dois Policiais Civis, sendo um Delegado, que foram afastados, não mais exerceriam suas funções e teriam seus salários reduzidos ao tempo de serviço que possuíam, enquanto durassem as investigações.
O Curso de Formação de Soldados da Polícia Militar volta a ser realizados também em varias unidades operacionais da Corporação, perdendo-se muito em qualidade a fim de se conquistar quantidade.
O Comandante Geral da Polícia Militar perde o Comando em junho do mesmo ano.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Rio de Janeiro, principalmente a Cidade, a partir de meados do século XVIII, ocupou um espaço importante na vida social, política, cultural e econômica do Brasil, e, por conseguinte tudo que acontece na cidade ecoa por todo país.
Com a Polícia Militar não é diferente. Com a tropa em sua maioria esmagadora oriunda das classes mais humildes da sociedade, vive a triste sina de iniciar sempre uma nova caminhada a cada quatro anos, como tivemos a oportunidade de demonstrar. Em algumas situações se modifica mais de uma vez em quatro anos.
A última política de Estado em relação à Polícia Militar foi aplicada pelos militares federais, após o golpe político de 1964.
Com maestria, foi direcionada a Polícia Militar ao confronto de primeira linha, sendo a instituição responsável pela repressão visível às manifestações de luta pela conquista de direitos democráticos, preservando assim em muito a imagem das forças armadas que com raras exceções se expunham em público uniformizadas, realizando o serviço repressivo em trajes civis.
Esta vitoriosa política de Estado, que durou de 1964 a 1982, deixou dois tristes legados à Polícia Militar, a saber:
Primeiro, a formação de uma mentalidade coletiva de seu efetivo, de uma solução para a questão da violência patrocinada pelo arbítrio e truculência, traduzida na política de confronto e mesmo com a Constituição de 1988, que garante direitos individuais, sabemos que a mudança de mentalidade requer um período de tempo mais longo do que a das mudanças de legislação, sem falar na tutela criada pelo Estado Novo de Getúlio com a Inspetoria Geral de Polícias Militares, que assombram até os dias de hoje a vida das Polícias Militares Estaduais.
O segundo legado reside no campo das emoções, pela sua atuação na linha de frente na repressão política, mesmo sabendo-se que foi a Polícia Militar usada, e que hoje seu efetivo quase que em sua totalidade não conhece esta história com profundidade ainda assim, não é fácil para quem sofreu com os cães, cavalos e força de choque ser totalmente indiferente quando avista um policial fardado, pois são as imagens de documentários, filmes e fotos que retratam aquela triste página de nossa história, onde se vê é o policial militar reprimindo as manifestações políticas em favor da democracia, para não falar do impacto nos filhos das vítimas ou nos que viveram aquele período.
Acreditamos que passa a Polícia Militar pelo mesmo fenômeno que a sociedade brasileira atravessa. O golpe de 1964 foi vitorioso, com seus frutos prosperando até os dias de hoje. Não é um acaso que vários Governadores, mesmo democraticamente eleitos, acreditam ser função de um General de Exército chefiar a Secretaria de Segurança Pública. Continuamos, tanto sociedade quanto Estado, com a visão de solução ligada diretamente à quantidade de Policiais Militares, não sendo a qualidade e a inteligência prioritárias, prevalecendo uma mentalidade militarista de guerra, conhecida e aplicada em qualquer exército no mundo, mas que já se demonstrou comprovadamente infrutífera no combate à violência em nosso Estado.
Com o fracasso óbvio do antecessor o sucessor promete soluções impossíveis, como acabar com a violência em seis meses, por exemplo.
Quem possuía uma política objetiva e inteligente, longe da política insana do confronto, foi também o primeiro a receber a Polícia Militar dos Militares federais, o Coronel PM Carlos Magno Nazareth Cerqueira, mas suas idéias estavam muito à frente de seu tempo, foi fundamental para marcar a busca de um novo caminho para a Corporação, e suas idéias são aplicadas até os dias de hoje, sendo a mais recente o policiamento comunitário.
O Coronel Cerqueira deixou discípulos que continuam a peregrinação rumo ao caminho da democracia, apesar das resistências internas e externas.
A população sofre com a falta de uma política de Estado para a Segurança Pública. Contudo, sofre também os profissionais da Polícia Militar, que em uma jornada de pelo menos trinta anos exercendo sua profissão, percebem que trilharam vários caminhos, tão distintos “hoje o cidadão é o nosso cliente”, amanhã “primeiro atira depois pede o documento”, “a violência se acaba em seis meses”, hoje a técnica é o caminho, amanhã vale a “coragem do guerreiro” como em um “bom” filme de Rambo.
A triste realidade é que tanto população quanto policial militar sofre e clama por um caminho sério, técnico e continuo em que se valorize o profissional, o cidadão, a vida enfim.
Hoje, não nos é mais permitida à improvisação, o rancor, nem as soluções fáceis, derradeiras e mágicas ou usamos o que o passado recente nos mostra, em que quatro anos não são suficientes para conquista de níveis aceitáveis na questão da violência, ou continuaremos a assistir, sem esperança, cidadãos, policiais militares e foras da lei, isto é, seres humanos, perderem suas vidas.
Entre avanços e retrocessos caminha a Polícia Militar, na busca da qualidade do serviço prestado venha ser a sua identidade junto à sociedade.
Em nossa última página, uma homenagem aos duzentos anos de criação da Corporação que amamos, e a quem tanto devemos, transcrevendo em anexo o decreto de criação da Polícia Militar, primeira instituição militar e policial criada no Brasil composta por brasileiros, em 1809.

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