JORNAL O GLOBO 06 DE ABRIL DE 2013
RIO - Dormir a noite inteira sem ter o sono interrompido por tiros de
fuzil, que num passado recente o obrigava a arrastar os filhos para debaixo da
cama, numa tentativa de evitar as balas perdidas. O relato feito por um pai de
família, que vive no Morro do Borel, na Tijuca, integra uma pesquisa inédita
que aborda pelo olhar dos moradores de comunidades o processo de consolidação
das Unidade de Polícia Pacificadora (UPP). O estudo elaborado pelo Banco
Mundial foi apresentado na manhã desta sexta-feira, no Instituto Pereira
Passos, em Laranjeiras.
Realizado a partir de relatos colhidos de moradores de comunidades antes
dominadas pelo tráfico de drogas, o estudo “O retorno do estado às favelas do
Rio de Janeiro: Uma análise da transformação do dia a dia das comunidades após
o processo de pacificação”, tem por objetivo analisar as mudanças ocorridas
nesses territórios. Para isso, os pesquisadores entrevistaram quase cem
moradores das comunidades do Chapéu Mangueira e Babilônia (Leme),
Pavão-Pavãozinho (Copacabana), Cantagalo (Ipanema), Morro do Borel (Tijuca) e
Manguinhos.
Até agora, os estudos relacionados às UPPs tinham como base a qualidade
de vida no momento inicial da pacificação ou em análises quantitativas sobre as
alterações dos índices de criminalidade e preços de imóveis. O relatório
apresentado nesta manhã pela diretora do Banco Mundial para o Brasil, Deborah
L. Wetzel, visa preencher lacunas informativas ao documentar como os moradores
sentiram a mudança e, sobretudo, medir o “efeito UPP”. Os resultados buscam
fornecer bases informativas com vistas à implantação de UPPs em mais favelas
nos próximos anos.
O relatório explora percepções de mudanças em três áreas principais: as
interações sociais e a vida comunitária dentro da favela, a relação dos
moradores com a polícia e a integração das favelas com a cidade como um todo em
termos de serviços públicos, oportunidades econômicas e desestigmatização.
Entre fevereiro e outubro de 2011, os pesquisadores envolvidos no trabalho
observaram e entrevistaram moradores, líderes comunitários, comerciantes e
jovens. Em resumo, apesar de desconfiados, os habitantes dessas localidades
comemoram a retomada do direito de ir e vir.
É o que se percebe ao ler os relatos de moradores. Para muitos, passar à
noite sem ouvir tiros, circular sem a presença de homens armados e, sobretudo,
sair para o trabalho sem o temor de que os filhos acabem aliciados pelo tráfico
são pontos apontados como favoráveis ao processo de pacificação.
Entre as favelas selecionadas como estudos de caso, três receberam a UPP
em diferentes momentos: Babilônia/Chapéu Mangueira em 2008,
Pavão-Pavãozinho/Cantagalo em 2009 e Borel/Casa Branca em 2010. Já em
Manguinhos, não havia UPP até a conclusão do relatório. A região, por tanto,
permanecia em grande parte sob o controle do tráfico. Por esse motivo, foi
incluída como um caso de controle. Assim, o relatório faz referência a
Manguinhos como o caso sem UPP.
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