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O GLOBO
Moradores estão desconfiados com movimentação de pessoas estranhas na
comunidade após o anúncio da ocupação
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Há barricadas nos acessos aos pontos de venda de drogas
Barricadas na Vila Kennedy nesta
quarta-feira Pablo Jacob / Agência O Globo
RIO - Enquanto a ocupação policial
não acontece, o tráfico atua livremente na Vila Kennedy. Por toda a manhã e
início de tarde desta quarta-feira, uma equipe do GLOBO encontrou jovens
fumando maconha, sobretudo num trecho ao lado de um campo de futebol ao lado da
Escola Municipal Alcides Etchegoyen, na Avenida Central. Por todo o tempo,
jovens em motos passam intimidando moradores e jornalistas. Em momento algum, a
equipe de reportagem viu qualquer patrulha da polícia. Moradores temem a reação
dos bandidos, que estariam anunciando o fechamento das pistas da Avenida Brasil
assim que anoitecer.
O clima é de muita expectativa na
comunidades após o anúncio de que o Bope e o Batalhão de Choque (BPChoque) vão
ocupar a comunidade nesta quinta-feira para implantar a 38ª Unidade de Polícia
Pacificadora (UPP) do Rio. Barricadas podiam ser vistas nos acessos aos pontos
de venda de drogas. Numa das ruas na Metral, comunidade do bairro, a equipe de
reportagem foi abordada por dois homens enquanto fotografava um barreira improvisada
com pedaços de concreto para impedindo o acesso de veículos. As barreiras se
multiplicam num trecho da Vila Kennedy quase às margens da Avenida Brasil. Uma
delas, feita com pedaços de madeira, ardia em chamas.
Apesar de uma certa falta de
tranquilidade, homens da Comlurb trabalhavam na limpeza de ruas, algumas com
grande concentração de jovens circulando a pé ou em motos. Um comerciante, que
pediu para não ser identificado, disse que desde o fim de semana traficantes
estão impondo toque de recolher, sobretudo, na Metral.
Na noite anterior, a comunidade
chegou a ficar sem luz. Homens trabalham para restabelecer o fornecimento de
energia elétrica onde traficantes atiraram contra transformadores. Pela manhã,
uma das equipes recebeu ameaças supostamente de traficantes. Durante a
madrugada, traficantes que usavam motocicletas circularam armados pelas ruas da
comunidade, deram tiros para o alto. Eles intimidaram comerciantes e moradores
com ameças para aqueles que vierem a apoiar a pacificação.
Nesta quarta-feira, grupos de
traficantes se preparavam para fugir em várias motocicletas. Eles se reuniram
no seu quartel-general, na Rua Congo, para organizar a saída da comunidade. Sem
se identificarem, alguns moradores falaram sobre suas expectativas.
— O nosso maior medo é das
consequências de um tiroteio. O que as pessoas devem fazer? Era preciso haver
uma orientação. Ficar em casa? Sair mais cedo para o trabalho? — perguntou um
morador.
Uma disputa de traficantes por
território tem amedrontado os cerca de 100 mil moradores da Vila Kennedy, um
conjunto habitacional inaugurado há 50 anos na Zona Oeste, para onde foram levados
moradores removidos de favelas de Botafogo e do Maracanã. A comunidade é
atravessada pela Avenida Brasil. O bairro ainda tem característica de zona
rural, com plantações de banana e aipim dividindo espaço com trechos de mata em
morros, onde traficantes buscam refúgio. É nessa área, segundo moradores, que
os criminosos ocultam armas, drogas e mantém acampamentos para escapar da ação
policial.
Em fevereiro, houve diversos
tiroteios na região. No último dia 23, três ônibus foram incendiados em uma
manifestação de moradores, que chegou a interditar a Avenida Brasil e deixar
mais de dois mil alunos sem aulas.
A disputa por território entre
quadrilhas de traficantes tem com pano de fundo uma briga entre Aldair Marlon
Duarte, o Aldair da Mangueira, nascido em Manguinhos, e Fábio Augusto de Souza,
o Fabinho Noronha. Aldair decretou a morte de Fabinho por causa de uma
desavença envolvendo a mulher do primeiro. Isso apenas reforçou o desejo de
Fabinho de deixar sua facção, por se sentir desprestigiado na favela. Ele era
visto com frequência conversando, na Vila Aliança, com o então rival Márcio
José Sabino Pereira, o Matemático, antes de sua morte, há nove meses. Em
fevereiro, Marcelo Santos das Dores, o Menor P, sucessor de Matemático, teria
dado apoio para Fabinho mudar de quadrilha.
Em meados de fevereiro, Fabinho,
Felipe da Silva Caetano Costa, o Zebrião — atual “gerente-geral” da Vila
Aliança —, e mais de 40 criminosos saíram da Aliança rumo à Vila Kennedy com
roupas pretas e boinas. PMs informaram que eles ficaram dois dias na mata,
junto à Vila Kennedy. Depois, conseguiram chegar até a Praça da Vila Kennedy,
dando início a um tiroteio que durou todo o dia e incluiu PMs que já ocupavam o
lugar.
Chefes já teriam fugido
Pouco antes da ocupação da Vila
Kennedy, os gerentes do
tráfico não estão mais no local, de acordo com o EXTRA. Segundo
investigações da Polícia Civil, os membros mais altos da hierarquia do tráfico
fugiram para a favela Nova Holanda, no Complexo da Maré, Zona Norte da cidade.
Um deles, já identificado pela polícia, é Max André Lopes Santos, de 29 anos, o
Naya, que aparece numa imagem chefiando um bando de sete homens, armados com
quatro fuzis e duas pistolas.
O antecessor de Naya à frente do
tráfico na região também não está mais na Vila Kennedy. Fabinho Noronha foi
expulso há cerca de duas semanas e se refugiou em Acari.
Iniciativa americana
A construção do conjunto habitacional
teve origem num programa chamado Aliança Para o Progresso, criado pelo
presidente americano John Kennedy para financiar projetos sociais na América
Latina, a fim de combater o comunismo. O Brasil então assinou um acordo com os
EUA e passou a integrar a lista dos países latino-americanos beneficiados. Vila
Esperança seria o nome do novo bairro, mas foi mudado para homenagear o
presidente dos Estados Unidos após a sua morte, em Dallas.
O governo resolveu aplicar os recursos
vindos da União na construção de bairros proletários para pôr fim à favelização
na Zona Sul da cidade. Havia uma área de 964.207 metros quadrados, entre o
Distrito Industrial de Bangu e a Zona Rural de Campo Grande. Dona Rita lembra
as dificuldades do momento. A Praça Miami, de acordo com Alex Belchior, foi
batizada com esse nome em razão da visita do então prefeito da cidade americana
à Vila Kennedy. Ele foi entregar uma carta da viúva de John Kennedy, Jaqueline
Kennedy, agradecendo a homenagem feita a seu marido.
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