O GLOBO
Após desocupação de área da Oi, pessoas saqueiam loja Pablo Jacob / Agência O Globo
RIO - A reação violenta de moradores
das favelas do Rato Molhado e do Jacarezinho, atirando pedras e paus na
polícia, depredando agência bancária, saqueando lojas e incendiando ônibus não
foi espontânea. Trocas de informações entre agentes de segurança dos governos
federal e estadual revelam que traficantes estão agindo infiltrados em
manifestações na periferia do Rio, especialmente quando envolve a presença de
forças policiais, como a que marcou ontem o desfecho da ação de reintegração de
posse do terreno da Oi, no Engenho Novo.
Interceptações de conversas de
criminosos mostram que eles estão seguindo sob orientação do traficante Márcio
dos Santos Nepomuceno, o Marcinho VP, que comandou o tráfico nas favelas dos
complexos da Penha e do Alemão. Mesmo cumprindo pena em presídio federal de
segurança máxima, o bandido passou a coordenar, há três meses, uma reação da
criminalidade contra operações policiais de qualquer tipo. Numa espécie de
vingança contra o avanço das unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) em regiões
antes dominadas por sua quadrilha.
O antropólogo Paulo Storani,
ex-capitão do Batalhão de Operações Especiais (Bope) da PM e pesquisador da
Universidade Candido Mendes, disse que existe um novo cenário na periferia do
Rio e que o tráfico de drogas tem participação ativa. Segundo ele, ordens foram
dadas para as depredações acontecerem ontem.
— Os ataques aconteceram de forma
articulada em diversos ambientes, revelando grande capacidade de enfrentar a
polícia. Uma ação organizada para transmitir sensação de insegurança. Nesse
caso, não tenho dúvidas de que houve direta ou indiretamente uma participação
do narcotráfico nos registros de depredações — afirmou Storani.
O pesquisador lembrou ainda que, no
caso específico da ocupação do terreno da Oi, tudo leva a crer, pela forma rápida
como as pessoas chegaram ao local, que ocorreu um planejamento preliminar.
— Não foi uma ação espontânea. Houve
articulação. O projeto de ocupação de território pela polícia forçou no início
um recuo do tráfico, mas agora ele mostra ter encontrado uma forma de
mobilização organizada — disse o antropólogo.
O tenente-coronel da reserva da PM
Milton Corrêa da Costa acredita que houve uma ação determinada e orquestrada
por traficantes de favelas próximas:
— O momento de tensão foi aproveitado
por criminosos para desafiar e atacar a polícia a tiros e destruir o patrimônio
público e privado, com até mesmo agências bancárias sendo depredadas. O Brasil
caminha a passos largos para um clima de permanente tensão social.
Palavra de especialista: Roberto
Kant de Lima, antropólogo da Universidade Federal Fluminense (UFF)
“Desalojado de seus espaços, o
tráfico ficou incomodado com as UPPs, assim como a polícia, pois os padrões de
relacionamento teriam que se transformar naqueles espaços onde o poderio
ostensivo das armas não fosse mais a única linguagem capaz de impor autoridade.
Será necessário, para a continuidade das atividades ilegais, encontrar outras
formas de sociabilidade. Esse é o desafio que, para ser bem-sucedido, deverá
desconstruir preconceitos antigos e arraigados entre todos os atores,
propiciando a melhor convivência possível de todos. Além de ser tarefa muito
difícil e demorada, isso não é um processo cumulativo linear e contínuo,
enfrentando altos e baixos no seu desenvolvimento”
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