Rio - Se não fossem o distintivo e o uniforme, ninguém diria que Ibis Silva é policial há 31 anos, ainda mais comandante da Polícia Militar. Com os seus poucos mais de 1,60 metro de altura e corpo franzino, o coronel com pose de intelectual cita Guimarães Rosa, o escritor russo Dostoiévski e a filósofa alemã Hannah Arendt quando fala sobre como vai comandar a tropa até a posse do coronel Alberto Pinheiro Neto, no dia 2 de janeiro, que se recupera de uma cirurgia. Mesmo com pouco tempo de gestão, Ibis tem planos grandes, como aumentar a punição de policiais corruptos. Entre os casos que o novo comandante promete observar está o caso da Máfia da Saúde, em que O DIA denunciou fraudes em compras do Hospital Central da Polícia Militar. Esta entrevista exclusiva foi feita depois de uma inspeção na unidade, no sábado, dia em que Ibis trocou o comando de 11 unidades, inclusive na corregedoria na PM. Segundo o comandante, outras mudanças estratégicas serão feitas esta semana.
O DIA: Quais as condições do hospital da PM?
IBIS SILVA: Estão bem precárias. Estão
faltando investimento, higiene, manutenção, principalmente nos elevadores e nos
aparelhos de ar-condicionado. Vamos corrigir isso. Mas me impressionou muito a
dedicação dos profissionais da saúde. Se não fosse isso, a situação estaria
pior, já teria entrado em colapso.
E em relação às denúncias de corrupção em hospitais da Polícia Militar?
Temos inquéritos
instaurados. Não conheço todo o teor dos processos, o que está sendo apurado,
apenas sei das denúncias de um modo geral. A gente chama isso de corrupção
porque não encontra um termo mais terrível sobre desviar da saúde, que é
colocar em risco a vida de policiais. Esse hospital é mantido pelo dinheiro
deles próprios. É um ato repugnante. Não tenho dúvidas de que as pessoas
responsáveis serão identificadas e presas. Com o Ministério Público à frente,
isso não vai acabar em pizza.
Como avalia a corrupção policial?
Corrupção gera
descrédito. Quando a polícia se envolve em corrupção, sua imagem fica
diretamente comprometida e, consequentemente, o seu trabalho também. As pessoas
passam a não confiar mais na polícia e não a procuram mais para denunciar os
crimes dos quais são vítimas. Quando isso acontece, não temos capacidade de
planejar. A corrupção é lesiva.
O que pode ser feito para combatê-la?
Uma reforma
estrutural. As pessoas se corrompem por conta dos valores e da oportunidade.
Veem facilidade nas coisas e acham que podem aproveitar. A primeira coisa a se
fazer é sinalizar que não se tolera isso e que quem insistir em se envolver com
corrupção será responsabilizado criminalmente. As pessoas têm que entender que
não existe brecha para roubar, e que há uma estrutura para investigar.
"Prender um policial porque não corta o cabelo e não punir o
corrupto é anacronismo"
Como fazer isso?
Revendo a
legislação. Os regulamentos que estruturam a polícia, e sem os quais não se
pode prender ninguém, são anteriores à Constituição Federal, que é voltada para
o Estado de Direito Democrático. A nossa, que é da época da ditadura militar,
tem que estar adaptada a isso. Como é hoje uma grande colcha de retalhos, cheia
de emendas, é uma legislação onde é possível provocar lentidão nos processos.
Um bom dispositivo tem que ser rápido. Uma pessoa não pode levar sete anos para
ser excluída de uma corporação, e depois a sua história é de abandono. Só se
resgata isso com diálogo. Não se faz polícia de cima para baixo. A gente tem
que dizer que corrupção não vale a pena. Colocar um policial na prisão porque
não corta o cabelo e não punir o corrupto é um anacronismo.
Quando a legislação poderá ser mudada?
Isso não é uma
coisa que vamos conseguir de um dia para o outro. Temos que apresentar o
projeto ao Poder Executivo e discutir na Assembleia Legislativa. Mas já estamos
costurando isso. Não quero chegar para o secretário de Segurança e dizer: olha,
isso aqui é uma legislação que eu e meia dúzia de coronéis pensamos. Quero
dizer que a gente discutiu com as associações, soldados, sargentos e que o
projeto é um consenso. Meu desafio como comandante interino e futuro chefe de
gabinete de coronel Pinheiro Neto é conseguir resolver o que só depende de mim.
As UPPs estão incluídas nisso?
A Secretaria de
Segurança está empenhada em mapear todas as unidades de polícia pacificadora
para conhecer as especificidades de cada uma. A gente precisa conversar com as
pessoas, ouvir as críticas que elas têm sobre o programa. A lógica desse
policiamento exige a construção de um diálogo com as comunidades e o resultado
disso passa pelo que a sociedade quer. O nosso maior desafio é a Maré. São 16
comunidades, tem milícia. Mas é uma comunidade politizada, e isso é o melhor da
Maré, o nosso maior trunfo. Quando as pessoas são conscientes de seus direitos
e obrigações, cobram e sabem de quem cobrar. Está mobilizada e isso já facilita
o diálogo. Temos interlocutores lá. Sem críticas, nós não evoluímos.
Muitas das queixas dos moradores envolvem o tratamento de alguns
policiais e a corrupção. O que pode ser feito?
Uma mudança na
estrutura da nossa corregedoria. Ela tem que estar na rua, investigando e
fiscalizando a conduta dos policiais, indo aos batalhões, às unidades. Hoje ela
trabalha muito dentro da lógica do papel, solucionando processos, sindicâncias.
Podemos fazer isso sem mexer no efetivo, pela tecnologia, interligarmos as
corregedorias, apesar de termos dificuldade com a nossa internet, por incrível
que pareça. Como podemos falar de inteligência com internet ruim em pleno 2014?
O governador reeleito Luiz Fernando Pezão costuma dizer que hoje temos
uma polícia formada para a guerra. O senhor concorda?
Sim, e por isso a
palavra de ordem é humanização. O que acontece quando a lógica é a guerra? Se
desumaniza, os marcos morais sofrem abalo, e já não se sabe o que é certo e
errado. Quem despreza a vida não está preocupado com a corrupção. Enfrentamos
as drogas invadindo favela, tentando prender traficante, trocando tiros.
Imagina o que passa na cabeça de um garoto de 25 anos que deve entrar num
caveirão de madrugada? Vai se transformar num bruto, numa máquina de matar e
morrer e, quando isso acontece, está a um passo da corrupção. Se ele não
respeita a vida, não respeita mais nada. O grande mérito das UPPs é que ela
opera com outra lógica.
Isso passa por diminuir os elevados índices de auto de resistência dos
policiais?
Sim. A polícia tem
que garantir a dignidade humana e isso não combina com auto de resistência
elevado. Hoje a polícia mata cinco pessoas por dia no país. Ela morre e mata
muito. É um ciclo perverso de brutalidade. Temos que mudar isso. A violência
está comprometendo o futuro. Cerca de 70% dos homicídios são de jovens negros,
pobres e moradores de periferia. Isso é barbárie.
Como mudar?
Podemos começar
cuidando do nosso efetivo, tornando as academias mais humanas, melhorando as
escalas. Trabalho policial é afetivo, com a redução do medo da sociedade. Por
isso que a arte e a poesia amenizam isso.
O senhor usa a literatura para lidar com policiais?
Sim. Meu escritor
favorito é Guimarães Rosa. Em ‘Grande Sertão: Veredas’, o personagem Riobaldo
diz que comandante é para aliviar os aflitos. A gente precisa aliviar a alma
dos nossos comandados, filosofia também de Dostoiévski.
Qual será seu principal desafio?
Conseguir mapear
todas as medidas que a gente precisa tomar imediatamente. Já identifiquei os
problemas, agora tenho que fazer o panorama operacional. É o que São João
Batista fez com Jesus, pacificar o caminho para o Salvador. O meu papel é ser
uma espécie de João Batista para o Pinheiro.
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